segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Crónica: Cortar Na Cultura É A Morte De Um Povo

Texto publicado originalmente na edição n.º 839 do Jornal O Povo do Cartaxo, dia 16 de Dezembro de 2011.
Portugal é realmente o país das desigualdades. Olhando para os planos e compromissos de 2012 para a cultura em Portugal, qualquer pessoa chega à conclusão que a cultura é um ‘bem desnecessário’ para o país. Já em edições anteriores d’O Povo do Cartaxo repudiei a “descida de divisão” do Ministério da Cultura a Direcção Geral da Cultura – uma medida completamente retrógrada, que se traduz num passo para trás de uma sociedade de primeiro mundo para terceiro mundo. Só Hungria e Portugal, na zona europeia, é que não têm um ministério dedicado à cultura – um atentado aos povos. De uma sociedade do século XXI caminhamos para uma sociedade de que só há memória na década de 70 do século XX.
Sim, todas as pessoas ligadas à cultura sabem perfeitamente que “precisamos de cortar” e “emagrecer” o papel do estado numa época como esta que atravessamos, mas estando a Cultura associada ao ministério do Primeiro-Ministro verifica-se que só a cultura é a única pasta que sofre um corte de 20% (!) no orçamento previsto para esta, o que não acontece em qualquer outra pasta do governo. Já para não falar ainda na discriminação dos livros perante o resto da cultura e [perante] os espectáculos desportivos, em que os livros ficarão com a taxa de IVA nos 6%, os espectáculos desportivos a 23% e o resto da cultura a 13%. E o “resto da cultura” (sem menosprezar os espectáculos desportivos) tem tanta importância como os livros: música, teatro, ópera, artes plásticas, museus, património histórico, cinema, espectáculos artísticos, dança, e muitos outros – tudo considerado “lixo cultural” para o actual governo, certamente.
Há ainda nisto tudo duas agravantes. Primeiro, sem investimento na cultura não há receitas; ou seja, quanto menor o investimento na cultura menor serão as receitas fiscais para o estado – é lógico. E desde há muito tempo que é irrisória a fatia do orçamento para a cultura em Portugal. Mesmo atendendo a todos os problemas socioeconómicos mundiais, há muitos exemplos de clareza, eficiência e de bom trabalho por parte de muitos meios e institutos culturais: veja-se, por exemplo, o site do Teatro D. Maria [http://www.teatro-dmaria.pt/] em que estão lá todas as contas e despesas reveladas, e no entanto o secretário-geral da cultura, Francisco Viegas, entendeu “por bem” cortar pelo segundo ano consecutivo em 15% o investimento para aquele espaço, anteriormente dirigido por Diogo Infante – se o investimento já era insustentável que dizer agora? Há quem já tenha feito as contas por mim: todos os portugueses pagam por ano cerca de 19€ para a cultura, em receitas fiscais como as do tabaco, gasolina, comida e outros, e mesmo assim teima-se em cortar na cultura sempre que começa um novo ano.
A segunda agravante, e a mais nefasta para todos nós, é o pensamento que se anda a instalar em toda a sociedade portuguesa por causa de toda a austeridade e sacrifícios pedidos e exigidos. Passo a explicar: hoje em dia é normal ouvirmos a opinião generalizada de que “se temos de poupar, não precisamos de espectáculos culturais para nada”. Todavia, a cultura não se resume a “espectáculos”; a cultura tem um poder social tão forte quanto a educação. A cultura olha para os tempos de ontem, hoje e amanhã, educa povos, muda opiniões… faz-nos pensar! A cultura faz-nos seres melhores e nunca submissos a um pensamento formatado das nações, individualiza as nossas opiniões. Um teatro pode ajudar e libertar as vítimas de violência doméstica; uma pintura ensina-nos a organizar ideias, a reflectir sobre o passado e a sonhar com um futuro melhor; até uma canção do malogrado Tony Carreira (bendito para muitos) nos pode ensinar muito sobre humildade e como lidar com o amor…
Não exijo aqui a maior fatia do orçamento de estado para a cultura em Portugal. Exijo apenas que a cultura não seja olhada de lado e que seja respeitada como uma ferramenta para uma melhor sociedade. Que não seja considerada um luxo nem um lixo; que a cultura seja, sim, somente cultura.

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