segunda-feira, 5 de março de 2012

O Quarto De Sharon Van Etten




Sharon Van Etten - Tramp
Jagjaguwar/Popstock
2012

O processo criativo de qualquer artista é sempre um objecto de estudo. O de uma artista que rasurou no calendário 14 meses e colaborações com Zach Condon (Beirut), Matt Barrick (Walkmen), Thomas Bartlett (Doveman), Jenn Wasner (Wye Oak), Julianna Barwick e o curador do projecto, Aaron Dessner (The National), pressupõe, se não um bom resultado, pelo menos 12 faixas recheadas de alguns dos nomes mais sonantes do panorama indie actual.

O período de incubação de Tramp foi longo, e o parto assistido por Aaron Dessner - membro dos adorados The National pelos portugueses - no seu estúdio em Brooklyn, que não por acaso é terreno fértil e berço de algumas das bandas mais influentes da música independente. Produzido entre as quatro paredes de madeira que também concretizaram a melancolia da banda de Aaron que marcou lugar nos tops nacionais e internacionais, Tramp é lançado ao mundo pela Jagaguwar, a pequena grande editora indie que conta com os nossos favoritos Sunset Rubdown, Moonface e o inconfundível Bon Iver.

Nunca é demais relembrar, nem mesmo já no terceiro parágrafo e nem na terceira volta consecutiva do disco que Aaron Dessner foi a personificação de alguma entidade superior, ou talvez um simples desejo de fazer música, que tornou possível o Tramp. Não se enganem e não nos enganemos, quando um artista, um escritor - e aqui Sharon Van Etten é ambos - começa a ouvir o seu eu miniatura dentro de si, normalmente no peito, ou atrás dos olhos e entre o ouvido direito e o ouvido esquerdo, não consegue ignorá-lo. O pequeno eu acaba sempre por sair, seja como for, no caso de Sharon primeiro como Because I Was In Love (2009), seguido de Epic (2010) e agora Tramp. Nesta última incursão ao mundo exterior o pequeno eu interior de Sharon teve a orientação, e não seria de todo redutor, dizer que também a ajuda do já experiente músico.

A voz feminina senta-se numa cadeira baixa, com as luzes apontadas a si que a delimita no palco fazendo sobresair a sua figura aparentemente frágil. A voz chega-nos num tom melodramático, caminha lentamente, por vezes chegando a arrastar-se para lugares mais escuros do que inicialmente poderíamos imaginar. A entuação que canta para o grande vazio do oceano as letras desde a guitarra eléctrica infuzida Warsaw "In a color of sorrow, You're over me.", a sofrida Give Out "What's with the eyes in the back of the room?", entre o refrão da Serpents "Serpents in my mind / Trying to forgive your crimes", o acustico da Kevin "You dig your own grave.", até ao fecho enevoado da Joke or Lie "What should I do? I am lost. / I Tried.", deixar-nos-à sentados à beira-mar com o olhar fixo no horizonte.

É assim o quarto em que Sharon Von Etten nos convida a entrar, pouco iluminado, e sozinhos. Nem todos se aperceberão, nem todas as faixas levar-nos-ão a esses lugares menos hospitalares. Nem todos quererão lá ir, para quem quiser abrir a porta, e entrar, será um bom álbum.

3,5

Sem comentários:

Enviar um comentário