terça-feira, 24 de abril de 2012

Reportagem: Carbono: Entre Fumo E Discos

Em dia da celebração das Lojas de Discos (Record Store Day) aventuramo-nos pela Carbono, discoteca mítica do coração da capital portuguesa que esteve perto de se transformar em carvão.

21 de Abril de 2012, assim marca o calendário. Mais um dia normal tanto para boa parte dos lisboetas como certamente para os muitos turistas e visitantes da cidade. No entanto, para os músicos, fãs, groupies, jornalistas ou curiosos, esta data é muito mais que um simples Sábado de tons cinzentos claros. É o Record Store Day, Dia das Lojas de Discos. Hoje, os destinos levam os apreciadores de música e, principalmente, coleccionadores às lojas de discos. Esta celebração acontece todos os anos e tem como objectivo levar as pessoas às lojas onde a música, e especialmente o vinil, ainda se encontra à venda. Rodelas pretas dentro de caixas que ocupam o chão e as mesas destes sítios quase extintos, mas preciosos para os seus amantes. O Record Store Day põe na agenda de toda a indústria discográfica um dia para celebrar um espaço que ao longo das décadas foi responsável por marcar encontros entre quem faz e edita a música e quem a consome. Um dia para apreciar na rua esse raro ofício que é procurar por nova velha música; procurar pela peça que falta numa coleção ou a primeira que vai inaugurar uma nova prateleira lá de casa. Para quem faz do universo pop-rock, do metal, do funk e da soul, do jazz e da world music, do hip-hop e da dance music os seus pratos favoritos, a Carbono, prestes a comemorar 20 anos, é local a descobrir e a ouvir. Neste dia e nos outros 364 do ano. E é numa das ruas perpendiculares à Avenida de Liberdade, em Lisboa, que se situa a famosa discoteca, uma das que ainda resiste à era digital da indústria da música. Saindo da estação do Metro da Avenida, basta descer poucos metros, em direcção ao rio Tejo, numa das maiores artérias da capital, até se deparar com o cruzamento da Rua das Pretas. Vira-se à esquerda e segue-se em frente, em direcção à Rua do Telhal, uma pequena ruela em calçada pela qual subimos até nos depararmos com a porta número seis - morada que começa logo após uns sinais luminosos. A Carbono situa-se do lado direito da rua, poucos passos antes da Tattoo Shop, Lisboa Ink.

Chegamos à porta da loja no momento certo. Ainda se sente o cheiro a fumo na via que acaba de ser reaberta após um incêndio num prédio devoluto que, estranhamente, deflagrou na cobertura do edifício. A loja de discos, para a qual nos dirigimos, acaba de reabrir as suas portas. Segundo os bombeiros, estiveram ali cerca de quarenta homens a combater o incêndio do qual se desconheciam, à altura, as causas. Segundo relatos dos moradores, "viveram-se momentos de aflição por causa do fogo e do fumo intensos que saiam do prédio". João Moreira, dono da Carbono, confidencia-nos que esta ocorrência prejudicou uma das datas que, como no Natal, leva mais pessoas à loja: "a rua esteve fechada até perto das 16 horas e, além disso, a loja ficou cheia de fumo. Não está a ser um grande dia para o negócio".
Descubra As Diferenças
Os Joy Division são a banda sonora que acompanha os entusiastas do vinil poucos minutos depois da reabertura da discoteca - este é o mote para partir à descoberta dos milhares de CDs e vinis, novos e usados, que preenchem o espaço acolhedor da Carbono. Já é hábito exibir exposições temáticas de capas de discos, e se em 2011 esteve patente a exposição "100 Capas De Discos Que Chocaram o Mundo" composta por capas alteradas ou mesmo banidas pelas autoridades, hoje, quem entra na loja dá de caras com paredes recheadas de histórias curiosas. Nelas está afixada a exposição "Descubra as Diferenças" onde constam 200 discos "cuja a capa foi alterada ou gozada por outra banda ou artista", como refere o site da Carbono (www.carbono.com.pt). Não há uma parede da loja que não contenha casos de "plágio criativo". O desafio colocado é descobrir as diferenças entre os mais famosos "casos": "Nevermind" dos Nirvana na visão de Weird Al Yankovic, logo na entrada e, no fundo da loja, outros como "Robots" dos Kraftwerk versus "Sexy Model" dos Frenchbloke And Son ou "Aladdin Sane" de David Bowie versus "A Lad From Spain" de Elvez (ver imagens). Entre os pontos que delimitam o espaço da Carbono, vamos ainda encontrar Black Sabbath, Queen, The Animals, Tédio Boys, Beatles, Elvis Presley, Iron Maiden, entre muitos outros. Não nos foi possível descortinar qual será o mote para um próxima exposição, todavia esta poderá ser vista até Agosto deste ano com entrada livre.

À Procura Da Rodela Preta

Apesar da paixão pela iniciativa Record Store Day, João, entre atendimentos a clientes, refere que este dia em particular não é sinónimo de mais dinheiro em caixa: "é um dia como o Natal, temos mais pessoas na loja, mas estamos a fazer 20 por cento de desconto em quase tudo [vinil, CD, t-shits, DVD], algo que nos vale um lucro quase nulo". Enquanto ao nosso lado vemos clientes da loja a ouvir música através da alguns gira-discos disponibilizados ao balcão, João Moreira pega no jornal Metro para lamentar a cobertura deficiente dos media, "até falam aqui do Record Store Day, mas não referem o programa da Carbono; no entanto, mencionam aqui uma loja em Braga que, por acaso, já fechou". Os dias não são os melhores para o negócio da venda de discos. "Desde que comecei a comprar discos que fecharam muitas lojas em Lisboa, tantas que tenho dificuldade em enumerá-las. E nos últimos anos nem vale a pena falar", acrescenta João Moreira. Se o Record Store Day celebra o vinil enquanto objecto, será que o dono da Carbono sente que a rodela preta está de novo na moda? "Sim, o vinil é moda. Há, de facto, uma procura pelo vinil", apesar de, como sublinha João Moreira, ser "um objecto luxuoso, porque é caro e pouco prático".

Os clientes vão entrando e saindo do espaço a ritmos diferentes, mas mantêm-se cerca de vinte pessoas dentro da loja desde que esta reabriu após o incêndio. A maioria centra-se nas promoções preparadas para assinalar o dia, mas entre eles há um cliente à deriva. João Salgueiro, um respeitável senhor de 54 anos, residente na capital, destoa-se entre a pequena multidão que se encontra naquele lugar. A secção que este observa é a menos dedilhada pelos clientes e a sua indumentária foge ao habitual negro juvenil que se observa na loja, pintado em t-shirts das suas bandas favoritas. João Salgueiro, o "desalinhado" cliente com quem nos cruzamos, admite não ter conhecimento da iniciativa Record Store Day: "sou um frequentador habitual das lojas de discos e procuro, essencialmente, discos de jazz". O que faz depreender que um dia como este não faz assim tanta diferença para todas as pessoas que habitualmente compram discos.
Caixa:
20 Anos A Carburar
A Carbono apresenta-se ao público como "a loja que revolucionou a oferta de música ao abrir as portas ao mercado de segunda mão". Para além de uma enorme oferta de música, o público pode aí encontrar igualmente livros, filmes, fanzines, t-shirts e "uma boa variedade de cultura underground - o alimento de todas as tribos", refere o texto de apresentação do site da loja (www.carbono.com.pt)

O Record Store Day assinala-se de forma ininterrupta há quatro anos nesta discoteca e sempre com iniciativas diferentes. Em 2011, ofereceram-se brindes aos visitantes da Carbono que acertassem nas respostas a algumas perguntas atribuídas num sistema de "rifas com questões relacionadas com música", recorda-nos João Moreira.

Como neste negócio há que meter mãos à obra e apostar na criatividade, a Carbono prepara já o Record Store Day de 2013 - ano em que comemora o seu vigésimo aniversário. João Moreira refere que "gostaria de fazer um disco promocional, em vinil, com várias bandas". Este objecto deverá ser "oferecido aos visitantes da loja e contará com um booklet sobre as lojas de discos lisboetas que já fecharam", idealiza o responsável da loja da Avenida da Liberdade. João acrescenta ainda que este objecto, a tornar-se uma realidade, não tem como primeiro objectivo trazer visibilidade à Carbono, sendo antes "a manifestação de uma paixão pelo universo do vinil".
André Beda e Carlos Montês

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